Obrigado você

willian
2 min readMay 26, 2024

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Me explicaram, ainda na infância, que a origem da expressão “obrigado” vem da frase “me sinto obrigado a retribuir seu favor”.

Gratidão por alguém que organizou a sua marmita é um momento singelo e grandioso. Porém, a ideia da obrigação de reciprocidade transforma tudo em apenas uma troca de favores sem muito significado. Agradecer é o mínimo de respeito pelo trabalho dos outros, mas, honestamente, eu não sou obrigado a porra nenhuma.

Na adolescência, quando ainda tentava destrinchar as nuances de etiqueta do transporte coletivo, uma moça, que estava sentada, ofereceu para levar minhas coisas até o ponto que eu deveria descer. Aceitei a gentileza e agradeci.

— Obrigado.

No momento do desembarque, ela me entregou a pasta e a mochila e eu desci sem muita preocupação. Fora do ônibus, minha mãe, que saiu logo após de mim, viu aquela cena toda, aproveitou para uma lição de moral.

— Você não agradeceu a moça que segurou suas coisas.

— Agradeci, sim, quando eu entreguei as coisas pra ela.

— Da próxima vez, agradeça duas vezes. Uma quando entregar e outra quando pegar.

Na vida adulta, por mais que seja um ato mecânico, agradecer ao caixa do restaurante é um reconhecimento da importância do trabalho sendo feito ali. Ao dizer “obrigado”, você manifesta, publicamente, que se não fossem aquelas pessoas seu almoço não existiria. Porém, apesar de toda essa carga simbólica, ainda assim essa expressão mal pensada traz alguns efeitos indesejados no cotidiano.

Pense na seguinte situação. Depois de um self-service fabuloso, você entrega a comanda pro caixa já pensando em como vai agradecer depois de pagar. Mas, às vezes, se distrai e o atendente fala “obrigado” antes de você. E aí, o que fazer?

“De nada” não funciona, pois você já está com as primeiras sílabas de “obrigado” na ponta da língua. Responder a um obrigado com um “me sinto obrigado a retribuir a sua obrigação de retribuir o meu pagamento” não faz sentido algum. Então, eu desenvolvi uma técnica evitar todo esse constrangimento.

— Boa tarde.

— Boa tarde.

— Cobra um marmita grande, por favor.

— Pois não.

Confiro o valor na tela da maquininha. Insiro o cartão. Digito a senha. Aperto confirm

— Obrigado. Agradeço antes mesmo do comprovante sair, antes mesmo do pagamento processar. Não tem erro.

— Obrigado você. Quer sua via? — ele responde.

— Não precisa, muito obrigado. — agradeço pela segunda vez, afinal, foi assim que minha mãe me ensinou.

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