Dor de garganta

willian
3 min readJan 31, 2024

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Celso usou uns burritos do seu restaurante pra barganhar um litro de chopp artesanal justo na época que decidiu parar de beber. Quem ficou no lucro foi eu. Ele me deu uma garrafa de plástico com cerveja dentro. Diferente, mas a bebida era de qualidade.

Mudei para meu segundo apartamento no início da pandemia. Uma kitnet minúscula que conseguia a proeza de ter duas paredes para o sol da tarde. O home office era um forno que custava seiscentos reais por mês.

Escrevia uma linha de código, um gole. Uma reunião, dois goles. Um cigarro, mais um gole. A caneca que eu usava para tomar água não tinha volume de jogo pra aguentar o dia todo de trabalho. Eram, pelo menos, dois reabastecimentos por hora.

De alguma forma, aquela garrafa plástica sobreviveu. Ela tinha o tamanho ideal. Um litro de água. Eu teria que me levantar para encher uma ou, no máximo, duas vezes por dia. Solução perfeita.

Além da vida, um copo d’água também é a ferramenta caseira de diagnóstico de amigdalite mais precisa que existe. Só uma bicada. Vem uma dor aguda que começa na garganta e termina na alma. Esse é o sinal derradeiro; aquele pigarro dos últimos dias não é culpa do tabagismo desenfreado do final de semana. É uma amigdalite.

O que segue depois é a febre, a fome e uma cólica infernal por conta dos antibióticos receitados pelo médico. E, o mais triste de tudo, é continuar fumando mesmo com o termômetro embaixo do sovaco acusando 39 graus.

Fumar está fora de moda fazem, pelo menos, vinte anos. Eu sei. Porém, veja só, é o único colega de trabalho de quem faz o expediente de casa. Não existe ninguém pra conversar, mas também não existe ninguém pra reclamar. Você pode sempre acender mais um quando aquela reunião de retrospectiva for durar mais cinco minutos. Sem problemas.

De qualquer maneira, após passar três dias sofrendo de doença e medicação, o pico passou. Apesar disso, a dor nunca foi embora. Se transformou numa dorzinha latente que continuou aborrecendo por semanas.

A dorzinha era leve, porém incomodava. No planejamento do time, a voz falhava. A tosse de madrugada não me deixava dormir. Esses sintomas insistiram por tanto tempo que já começava a questionar meu hábito de fumar. Só que, às vezes, o uso crônico do twitter pode se tornar valioso.

Um dia, apareceu na minha timeline a seguinte história: uma menina tinha uma dor contínua de garganta, assim como eu. Antes dessa dor aparecer, ela teve amigdalite, assim como eu. Ela fez todo o tratamento, assim como eu. Porém, ela tocava flauta mesmo doente. Quando ela se curou, as bactérias que ficaram na flauta a recontaminavam toda vez que ela tocava. Por isso, a dor de garganta dela não ia embora.

Eu não toco flauta, mas eu tomo água. Água! Uso a mesma garrafa de plástico há algum tempo. Deve existir todo tipo de micróbio vivendo ali bem onde encosto a boca cinquenta vezes ao dia. Mesmo lavando, devem sobrar algumas. É a explicação mais óbvia.

Comprei uma garrafa melhor, térmica, e joguei a de plástico fora. Ainda não sei se o problema foi solucionado, mas já pensou se o culpado fosse o cigarro?

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