Brazileiro

willian
3 min readNov 8, 2023

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Terre Haute é uma cidade universitária no estado de Indiana. Em 2013, tinha algo em torno de sessenta mil habitantes. Os únicos brasileiros que conhecia eram o Arthur, Laura e Davi. Brazil, para os habitantes de lá, ficava a 25 km. A cidade vizinha tem o mesmo nome de nossa pátria amada.

Assim como em Vitória, meu hobby era ficar bêbado e falar merda em algum bar. Por ser uma cidade pequena, as opções eram limitadas. Só tinham dois lugares que eu frequentava: o bar de rock The Verge, e o clube dançante, Ballyhoo.

The Verge era a vibe que mais gostava. Toda quinta tocava bandas covers. Numa dessas, no intervalo de um show, chamaram um bêbado no palco. Ele tropeçou pra subir, falou no microfone que era brazilian e tropeçou pra descer.

Minha reação foi a completa surpresa. No interior de Indiana tem pouco brasileiro. Eu morava nos EUA há pouco tempo e não estava acostumado a encontrar conterrâneos com frequência. Ainda mais no bar que ia quase toda semana.

Além disso, o instinto do brasileiro quando vai morar no exterior é de andar só brasileiro. Então, me senti na obrigação ir dar as boas-vindas ao mais novo integrante da comunidade br naquela cidade.

— Qualé — Minha ginga capixaba nunca me abandonou.

A expressão da cara dele mudou de bêbado para bêbado confuso.

— Da onde você é? — perguntei.

Ele não entendeu. Em inglês, falei pra ele que era brasileiro e perguntei se ele falava português. Ele respondeu, também em inglês: — Vamos fumar um cigarro.

Árabe. O cara não era brasileiro, o cara era Árabe. Omar explicou que se apresentava como brasileiro porque os americanos tinham menos preconceito. Disse que gostava do Kaká e estudava administração.

Um árabe que, bêbado, fala que é brasileiro era novidade. Mas, por mim, tudo certo. Com certeza é mais canarinho que qualquer um nascido em Brazil. A partir de então, de vez em quando, a gente jogava um futsal e tomava umas — um dia ele me ensinou o que tá escrito na bandeira da Arábia Saudita. Esqueci, mas é algo de cunho tão religioso quanto Ordem e Progresso.

Na última semana de outubro, Arthur me chamou para ir numa dollar store comprar uma fantasia. Ia acontecer uma festa de Halloween no Ballyhoo. Me vestir diferente não me apetece. Eu disse que ia na festa, mas sem fantasia. Ele saiu sozinho e comprou uma do Abraham Lincoln, décimo sexto presidente dos Estados Unidos, com chapéu, terno, barba e tudo.

Eu até gostei, Vampire Hunter estava no cinema poucos meses antes. Mas, em retrospecto, essa fantasia era engraçada. Pensa bem, alguém vestido de Dom Pedro II é meio estranho. Sendo estrangeiro, então, mais estranho ainda.

Os americanos, por sua vez, ficavam surpresos com um forâneo vestido como líder da guerra civil dos EUA. Falavam a mesma coisa que meu pai quando o assunto era Ayrton Senna: “Nós devíamos ser mais patrióticos e valorizar mais as figuras importantes do país. Um forasteiro tem mais consciência patriótica que nós, nascidos nesse país abençoado por Deus”.

A reação do caçador de vampiros era mover as costeletas de feltro e formar um sorriso de aprovação.

Omar estava lá, também à paisana (nem todo brasileiro gosta de carnaval). O único comentário que ele fez sobre a fantasia foi:

— Você sabia que ele era judeu?

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